Natália Velosa

Estudante do 5º semestre de jornalismo da PUC-Campinas, curiosa e observadora. Tenho 22 anos, moro em Americana - SP e atualmente faço estágio no jornal O Liberal de Americana como repórter. Aqui, deixo alguns trabalhos realizados na faculdade e sem estágio atual. Sejam bem-vindos!

A luta pela terra em Americana

Americana completou 146 anos em 2021. Em uma das minhas contribuições para o caderno especial de aniversário produzido pelo Jornal O Liberal, recebi um dos maiores desafios de pauta.

Há 17 anos a região do Pós-Represa, em Americana, é alvo de reforma agrária. Muito já se foi noticiado sobre o local: novos grupos de ocupação, conflitos com a justiça ou ações sociais. Porém, não havia um documento que reunisse os fatos um só lugar.

Durante duas semanas, revirei como edições de jornais de 2005 até os dias atuais. Também tive a grande ajuda do arquiteto e urbanista Victor Chinaglia, que me ajudou a entender um pouco mais sobre reforma agrária, além da ajuda dos moradores do Assentamento Milton Santos, que nos receberam para contar mais da história deles.

Essa luta não vai acabar tão cedo, como o próprio líder do movimento Jânio Carneiro relatou, mas fico feliz em ter feito esse trabalho histórico. Que a reportagem possa servir de apoio para pesquisas futuras!

146 ANOS

A luta pela terra em Americana

Relembre os principais acontecimentos da região do Pós-Represa, onde terras são alvo de reforma agrária há 17 anos

Por Natália Velosa

29/08/2021

As terras da região do Pós-Represa, em Americana, carregam muitas histórias. Escolhida por movimentos para ser alvo de reforma agrária, por aquela região se passaram lutas, sonhos, frustrações e indignações. E o final dessa história ainda está longe de ter fim.

O início da luta naquelas terras começou em 2004, quando o grupo Terras Sem Males, ligado ao MST (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra) se instalou no local, mas saiu um mês depois. Foi somente em 2005 que o primeiro assentamento se instalou, o Milton Santos.

Hoje, permanecem na luta o grupo MLT e a Associação Autônoma da Comunidade Milton Santos. Compartilha ainda o local do Pós-Represa, uma ocupação Monte Verde e o acampamento Roseli Nunes.

O arquiteto e urbanista Victor Chinaglia ressalta a importância de diferenciar as vivências e lutas de cada área. Em uma escala, o acampamento é uma primeira etapa da luta, enquanto o assentamento é o objetivo final.

Chinaglia explica que no acampamento as famílias vivem em comunidade. No Roseli Nunes, por exemplo, que reúne 80 famílias, é necessário passar por uma entrevista para poder integrar o movimento e a pessoa não pode ter uma vida egoísta. Existem regras. “Como é barraco, as relações são muito próximas. A pessoa não pode usar drogas, brigar ou tratar mal a família ”, diz.

Já na ocupação, o movimento é mais consolidado e o objetivo é regularizar a situação, em uma ação mais politizada, como no Monte Verde, onde cerca de 1700 famílias estão consolidadas.

Por fim, o assentamento são as famílias que já estão organizadas e regularizadas. No Milton Santos o movimento é mais administrativo, com o objetivo de organizar um centro comunitário ou a venda dos produtos necessários para encontrar. No espaço regularizado pelo Incra, se referiu 74 famílias.

Chinaglia era Secretário de Meio Ambiente de Americana em 2005, quando o primeiro assentamento se instalou. Foi ele quem fez o primeiro projeto de agrovila industrial para Milton Santos e contribui para o movimento até hoje, como diretor de duas cooperativas atuantes, a Braço Forte e a Camponesa, além de ser diretor do Instituto Pós-Represa, o Iacia (Instituto Assistencial Imperatriz Americanense).

Ele analisa o movimento desde o início e vê os ocupantes região como “guardiões” da área. O MLT busca, junto com o auxílio das duas cooperativas, dar função social à terra e usufruir dela na plantação de produtos livres de agrotóxicos. Uma feira realizada em Cosmópolis da venda dos produtos, no entanto, encontra-se fechada por conta da pandemia do novo coronavírus (Covid-19).

“O movimento foi uma crescente. Ele começou como uma necessidade das pessoas de vir a morar e produzir alimentos, e hoje é um movimento consciente da importância para a região”.

Um dos líderes do movimento no Pós-Represa, Jânio Carneiro diz que não pretende parar a luta tão cedo. Com 60 anos, ele já ajudava o movimento aos 8 anos, quando carregava água para o pessoal. Aos 14, atuou na linha de frente da luta pela terra na Bahia. Em Americana, está há 17 anos.

“Quanto mais eles [Justiça] afligem, mais a gente tem que mostrar o poder humano e mandar a luta para frente. Temos fé que a gente vai conseguir essa área para o pessoal ter sua moradia ”, conclui.

Entende a disputa pela propriedade das terras na região do Pós-Represa exige um contexto histórico e resgate documental. O início da disputa se deu quando o Grupo Terras Sem Homens, ligado ao MST, em 29 de fevereiro de 2004 ocupou uma área rural de 70 hectares próxima à colônia Sobrado Velho.

Na época, uma assessoria de imprensa do INSS, em São Paulo, confirmou que uma área ocupada pertencia ao órgão federal e estava ocupada pela Usina Esther Açucareira S/A, com sede em Cosmópolis. No cadastro da Prefeitura de Americana, porém, constava que o espaço pertencia à família Abdala.

Um mês depois, no dia 29 de março do mesmo ano, foi constatado pela União que a Usina Esther utilizava irregularmente como terras da prefeitura para plantio de cana de açúcar. A ocupação existe desde 1976, quando foi publicado no DOU (Diário Oficial da União) o confisco do sítio Jacutinga, com 36,3 hectares em favor do município. O decreto é o mesmo que expropriou outros 72,6 hectares do Sítio Boa Vista em benefício do INSS.

As duas áreas eram da antiga Fábrica de Tecidos Carioba, que com a terra pagou dívidas trabalhistas e impostos municipais. O plantio ilegal de cana pela usina só foi descoberto no mês anterior, quando o Grupo Terras Sem Homens ocupou uma área.

O Secretário de desenvolvimento Econômico da época, Antônio Mancini, justificou que antigamente o registro das terras era feito em Campinas, por isso o desconhecimento. Na época, a Usina alegou desconhecimento que como terras pertenciam a prefeitura e se prontificou a cumprir o que fosse determinado.

Em dezembro de 2005, o Incra conseguiu adquirir 76 hectares, que pertenciam ao INSS na região Pós-Represa, para abrigar o primeiro assentamento de Americana, que posteriormente seria nomeado como Milton Santos.

De acordo com a Prefeitura de Americana, hoje o Milton Santos é o único assentamento regularizado. A restante da área ocupada não teve ainda a propriedade reconhecida pelo Incra.

O diretor do Iacia, Victor Chinaglia, confirmou que a Usina Esther possui hoje um contrato de posse da área com a família Abdala, proprietária das terras do local, que representa cerca de 85% da área do Pós-Represa.